Quantas vezes você chegou a uma farmácia com algum mal-estar e comprou uma medicação que alguém indicou, sem prescrição médica? Ou comprou aquele remédio famoso da propaganda? Em dúvida, pediu ajuda ao farmacêutico?
Dependendo da frequência, você pode estar intensificando os sintomas, sofrendo sérios efeitos colaterais e até mascarando doenças graves, o que impediria diagnósticos precoces essenciais para o sucesso do tratamento. Isso porque a automedicação tem de ser uma exceção e não a regra no hábito dos brasileiros como tem sido em muitos casos.
Especialistas de diversas áreas, como neurologia, gastroenterologia e otorrinolaringologia alertam que, cada vez mais, têm visto em seus consultórios pessoas com doenças cujos sintomas estavam camuflados pela ingestão frequente de medicamentos vendidos sem prescrição médica. Esses remédios, explicam os especialistas, podem fazer efeito quando a dor é uma anormalidade na rotina, sendo aceitável tomá-los apenas raramente.
Quando a ingestão se torna habitual, é um sinal de que você precisa procurar um médico com urgência tanto para investigar o motivo desses sintomas recorrentes, quanto para avaliar se não é a própria automedicação que tem causados esses efeitos adversos.
A identificação precoce do que tem causado esses sintomas, que pode ser desde a desidratação até uma doença mais grave, servirá para que o tratamento tenha mais êxito. Além disso, é necessária para que os médicos avaliem qual o medicamento ideal para cada pessoa. Especialistas relatam
que é muito comum os pacientes tomarem conhecimento que são alérgicos a determinado medicamento em razão da utilização indiscriminada de alguns remédios, aparentemente inofensivos.
Uma conduta que tem preocupado os médicos é o “compartilhamento de diagnóstico”. As pessoas descobrem que têm a mesma doença e trocam medicamentos entre si. O problema é que nem sempre o tratamento é o mesmo para pacientes que sofrem do mesmo mal, e até numa simples dor de cabeça, há de se considerar o histórico de cada pessoa.
Os perigos de exagerar na automedicação
Outro problema comum que chega aos consultórios é a ingestão de grandes doses dos medicamentos vendidos sem prescrição médica. Os especialistas alertam que cada remédio tem um tempo mínimo de intervalo entre as doses e não pode ser tomado em sequências apenas porque a dor não passa.
Também é frequente o relato de pacientes que optaram por comprimidos com maior dosagem porque estavam com “muita dor”, o que é um risco para a saúde.
Dor intensa pode ter inúmeros motivos, que precisam ser investigados. Pode ser apenas o resultado da longa espera para tomar um remédio, no caso de uma dor eventual, ou o sintoma de uma doença em fase avançada.
Para explicar quando e como os medicamentos vendidos sem prescrição médica podem ser ingeridos, ZH ouviu médicos de três áreas em que a automedicação é bastante comum.
DORES DE CABEÇA
Os analgésicos costumam ser usados para aliviar dores de cabeça ou dores no corpo. O neurologista José Augusto Bragatti reforça que, por apresentarem diferentes efeitos colaterais, esses medicamentos devem ser ingeridos apenas com indicação médica. A automedicação, segundo o especialista, somente é “aceitável” em caso de exceção, para o alívio de dores eventuais.
— São para uma eventualidade, quando você estiver sem nenhum tipo de assistência médica possível — afirma Bragatti.
Segundo ele, analgésicos populares como paracetamol, dipirona e aspirina podem ter ação eficaz contra dores de cabeça ou crises de enxaqueca quando tomados no início dos sintomas.
— As pessoas têm o hábito de esperar para tomar remédio quando a dor já está muito mais intensa. Por isso, acabam tomando doses maiores, o que é um erro — explica.
Se a dor não passou ou voltou após a ingestão do analgésico, é um sinal de alerta para procurar um especialista. Dores recorrentes, sempre no mesmo local da cabeça, capazes de acordar as pessoas à noite, podem ser sintomas de doença grave, como tumor cerebral ou aneurisma, que acabam diagnosticadas tardiamente em razão do uso frequente de analgésicos.
— Até a própria enxaqueca, quando recorrente, precisa ser diagnosticada e tratada com outros medicamentos e hábitos alimentares. Ficar tomando analgésicos toda semana sem ir ao médico impede o diagnóstico correto — acrescenta o neurologista.
A ingestão frequente desses remédios causa no organismo o chamado “efeito rebote”, conforme o médico. Isso ocorre quando o corpo se acostuma com o medicamento a ponto de, quando ele não é usado, o sintoma aparecer com mais intensidade.
— É como se o organismo estivesse “pedindo” aquele remédio, o que torna a pessoa dependente — afirma o médico.
DORES NO ESTÔMAGO, CÓLICAS E NÁUSEA
Outra área que tem preocupado os médicos quanto à automedicação é a gastroenterologia. Muita gente acaba abusando dos medicamentos para dores no estômago, cólicas ou náuseas, o que provoca efeitos colaterais. O abuso pode adiar o diagnóstico de doenças como gastrites e úlceras, tornando o tratamento mais difícil, e até de patologias mais graves, como câncer no estômago.
— É bem comum ouvir de pacientes que eles usam esses medicamentos todos os dias, há muitos anos, não sabendo que têm uma doença. Por isso, é preciso investigar a causa dos sintomas — ressalta Antonio Carlos Weston, cirurgião do aparelho digestivo.
Sal de frutas
É um antiácido que age no estômago diminuindo o nível de acidez e, com isso, aliviando os sintomas de azia e queimação. Promove um alívio rápido, mas é indicado para dores esporádicas, quando o paciente teve uma alimentação muito pesada ou consumiu muito álcool. Se os sintomas forem frequentes, é preciso procurar um gastroenterologista, pois pode indicar uma doença crônica. Exemplos: Eno, Estomazil e Sonrisal.
Tome cuidado: quando usado em excesso, o medicamento provoca o efeito rebote, a volta da queimação com mais intensidade após o uso. Isso porque o estômago produz mais ácido para compensar a medicação alcalina.
“Antirressacas”
Assim como os antigripais, têm vários componentes em suas fórmulas, entre eles o hidróxido de alumínio, que tem ação antiácida, o acído acetilsalicílico, que tem ação analgésica, e a cafeína, um estimulante. Alguns componentes podem acabar irritando o estômago. Exemplos: Engov.
Tome cuidado: pessoas com gastrite ou problemas estomacais devem evitar o medicamento. Não pode ser usado por pacientes com sintomas de dengue.
ALERGIAS E GRIPES
Remédios para tratar alergias, gripes e resfriados também costumam ser usados indiscriminadamente. A vice-presidente da Associação Gaúcha de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (Assogot-CCF), Ingrid Wendland Santanna, afirma que é comum ver pessoas dependentes de descongestionantes nasais, por exemplo, remédio que pode ser usado em casos específicos mas por poucos dias.
Antigripais, antialérgicos e anti-inflamatórios também devem ser usados apenas com prescrição médica, mesmo que as farmácias vendam sem receita médica. Isso porque cada um desses medicamentos é mais potente contra um dos sintomas, o que deve ser avaliado por um especialista.
Descongestionante nasal
Embora seja vendido sem receita nas farmácias, o medicamento traz muitos efeitos colaterais, que tornam a automedicação contraindicada. Deve ser usado no máximo por quatro dias, quando os pacientes estão com uma doença que tenha causado a obstrução das vias aéreas, como a sinusite, ou quando há trauma nasal pós-operatório. Exemplos: Sorinan e Neosoro.
Tome cuidado: usado com frequência, provoca efeito sanfona, obstrução ainda maior do nariz, o que leva as pessoas a aumentarem a dose, tornando-se dependentes. Pode causar aumento da pressão intraocular, que provoca glaucoma, e da pressão arterial, que pode levar a arritmias cardíacas. Quem já tem glaucoma e pressão alta não deve usá-lo. Outro efeito colateral é a rinite medicamentosa, quando o uso acaba causando reação alérgica.
Antigripais
Misturam analgésicos com anticongestionantes. Também deveriam ser utilizados sob orientação médica, pois há diversas fórmulas, com diferentes doses. Exemplos: Benegrip, Apracur, Resfenol e Multigrip.
Tome cuidado: muitos antigripais são vendidos em forma de chá, podendo provocar os mesmos efeitos colaterais. As contraindicações e esses efeitos dependem do tipo de analgésico e anticongestionante usado na fabricação.
Antialérgicos
Tratar alergias com medicamentos que outras pessoas usam é um erro, pois há diversos tipos de antialérgicos, dependendo do sintoma que mais afeta o paciente. Exemplos: Loratadina.
Tome cuidado: costumam interferir no efeito de outros medicamentos. Deve-se consultar um médico. Podem alterar a pressão arterial e causar sonolência.
Anti-inflamatórios
Às vezes, usados para dor, como os analgésicos, os anti-inflamatórios também são vendidos livremente, mas só podem ser ingeridos com prescrição médica. Exemplos: Ibuprofeno e Diclofenaco.
Fonte: Zero Hora