Provavelmente você já fez alguma dieta. E depois voltou a engordar. Durante o tempo de restrições, a comida virou uma obsessão: no café da manhã já pensava no almoço, almoçava pensando no jantar. Você já calculou calorias, chamou carne de proteína, comprou iogurtes light e, no momento, prefere alimentos sem glúten. Certo? Saiba que você é mais uma vítima do que Sophie Deram chama de terrorismo nutricional.
A nutricionista e pesquisadora franco-brasileira alerta para o fato de estarmos vivendo uma guerra contra a comida. “As pessoas estão perdidas, já não sabem o que comer. No meio disso, esquecemos o principal: comer com consciência e prazer”, diz. Pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, Deram se dedica hoje à nutrigenômica, área da genética que estuda a relação da comida com os genes. Em O Peso das Dietas (Sensus, 39,90 reais), ela explica por que é contra as dietas restritivas e aponta caminhos para fazermos as pazes com o prato e a balança.
Você nunca prescreveu uma dieta. Sempre foi a ovelha negra da nutrição?
Comecei a estudar nutrição justamente por questioná-la. Meu marido havia sido transferido para Nova York e, quando chegamos aos Estados Unidos, percebi que os americanos viviam em guerra contra a comida. Naquela época, a gordura era a grande vilã. Em tudo estava escrito no fat (sem gordura). Até na garrafa de água! Você ri, mas hoje o que há nos rótulos? Sem glúten. É a mesma coisa.
Por que isso a assustou tanto?
Eu vinha da França, onde culturalmente se tem uma relação de prazer com a comida. Eu gostava de manteiga, de queijo, de um pouquinho de creme de leite nas receitas. E estava tranquila com isso. De repente, fui bombardeada com esse terrorismo nutricional. Quase perdi o norte e me peguei preocupada, pensando se estava comendo ômega 3, se devia dar mais brócolis para meu filho. Para saber o que de fato era verdade, resolvi estudar nutrição.
Chegou a alguma conclusão?
Descobri muitos mitos. Sobre a gordura, por exemplo. Hoje se sabe que o nosso tecido adiposo não é inerte, e sim um grande secretor de hormônios. Tabela de calorias é outra coisa que sempre achei sem sentido. Um refrigerante pode ter as mesmas calorias de um prato de salada, mas conversa de forma totalmente diferente com o corpo. A nutrição é tratada como ciência exata, o que ela não é.
Então, como saber se estamos comendo direito?
O ideal é confiar na intuição. Ouvir o corpo e entender quando está com fome ou satisfeita, o que tem vontade de comer, se está com sede. Isso a gente só consegue se tem uma relação tranquila com a comida. Uma única garfada sem culpa talvez já satisfaça. Mas, se algo é proibido, tudo muda. É por essa razão que passar uma dieta restritiva a alguém que nunca se preocupou com o que come gera problema.
Como assim?
Ainda há muito a descobrir, mas sabemos que o centro do apetite está na cabeça. O cérebro controla tudo e funciona com sistemas de recompensa. Quando você impõe uma restrição, desperta seus mecanismos de sobrevivência, e o cérebro, com medo de passar fome, vai buscar alimentos o tempo todo. Foi o que nos salvou na caverna. Mas, aí, a relação com a comida fica obsessiva e o seu emocional passa a ver o alimento como um reconforto e, por exemplo, a buscar chocolate sempre que você está triste.
Quer dizer que dietas não funcionam?
É isso mesmo. Claro que, em um primeiro momento, se perde peso. Mas 95% das pessoas que fazem dietas voltam a engordar. Ao menos 30% delas passam a ter um peso maior do que o de antes do regime. Imagine a briga: de um lado, você tenta não comer; de outro, o cérebro manda você comer. É uma luta eterna contra a balança. Diferentemente do que costumamos ouvir, isso não tem nada a ver com indisciplina ou falta de força de vontade. Nosso cérebro odeia dietas. Também é fato que fazer dietas restritivas aumenta o risco de desenvolver transtornos alimentares.
Como você orienta seus pacientes que precisam perder peso?
É preciso respeitar a cultura e os hábitos de cada um. Quem come pão com manteiga e toma leite com café todo dia não pode, de uma hora para outra, passar a comer tapioca com queijo branco e suco verde. Se você começa o café da manhã com uma coisa de que não gosta, como vai encarar o restante do dia? No final da tarde, vai se descontrolar. Com a maioria dos meus pacientes, inicio trabalhando o comportamento.
Quais as primeiras mudanças a serem feitas?
A relação com as proibições, com a culpa. Quem come com culpa come mais. Isso é demonstrado. O fato de fazer as pazes com a comida, por si só, já diminui a vontade de comer. É comum as pessoas me dizerem que, agora que podem comer chocolate, não querem mais. Estar feliz também ajuda. Se percebo que um paciente está depressivo, encaminho a um psicólogo. Paralelamente, trabalhamos para não deixar a comida virar recompensa. Está triste? Chore. Está ansioso? Ligue para um amigo. Descontar as emoções na comida faz a gente engordar.
Não é estranho que, ao mesmo tempo que há mais informação sobre nutrição, cresce o número de obesos?
Um estudo feito por um pesquisador canadense avaliou essa relação. Ele analisou o conhecimento nutricional dos franceses e o dos americanos. Os americanos sabem tudo: o que é ômega 3 ou ácido graxo poli-insaturado. Os franceses não sabem nada – só que pão com camembert é muito bom (risos). E os americanos são muito mais obesos. Isso mostrou que a informação não está relacionada a escolhas certas. Talvez seja este o novo paradoxo francês: quanto mais conhecimento, menos escolhas tranquilas.
Quer dizer que ter mais informações nos fez engordar?
Nutricionalmente, hoje estamos pior do que há 50 anos. Ou seja, a quantidade de informação não ajudou a população mundial a ser mais saudável.
As crianças também estão mais obesas. O excesso de preocupação dos pais tem culpa nisso?
Acredito que sim. Outro estudo analisou meninas de 5 anos, que foram separadas de acordo com características das mães. Um grupo tinha mães restritivas (cheias de regras): não deixavam repetir e só permitiam um doce por semana, sem respeitar a fome da criança. Outro tinha mães responsivas: cuidavam da rotina, mas deixavam repetir, por exemplo. As filhas do primeiro grupo pesavam mais e, com 5 anos, já comiam às escondidas. Os pais são responsáveis pela disciplina e pela qualidade, mas a criança é dona da própria fome.
Então, como ensinar um filho a comer bem?
Com bom senso e tranquilidade. Você tem que impor alguma disciplina, mas não deve proibir alimentos como se fossem veneno nem acreditar que a criança vai ficar longe de tudo que você não quer que ela coma. É muito mais interessante ensiná-la a lidar com o que está à sua volta. Entender que chocolate é gostoso, mas que não dá para comer só isso. É o meio-termo. Também é importante fazer pelo menos uma refeição em família por dia. Comer junto é associado a se alimentar de forma mais saudável: as crianças experimentam mais verduras e legumes, há menor incidência de obesidade, vão melhor na escola.
Como o alimento pode ter esse efeito terapêutico?
Há fatores nutricionais, psicológicos e sociais envolvidos. Os filhos veem o exemplo dos pais e ficam mais propensos a experimentar coisas novas. A família reunida à mesa também traz a sensação de segurança – é a hora de conversar, aliviar tristezas e frustrações. E é um treinamento para a vida em sociedade: é preciso compartilhar, deixar para o outro, esperar a sua vez. Além disso, em uma família harmoniosa, a comida passa a ser associada a momentos agradáveis.
A comida precisa ser feita em casa?
O ideal é que ela seja fresca. Não precisa ser orgânica, mas fresca. Cozinhar alimentos de verdade é o melhor jeito de prevenir a obesidade. São três dicas-chave: não faça dieta restritiva, coma alimentos verdadeiros e cozinhe.
Mas nem todo mundo tem tempo…
Não precisa cozinhar como chef. Falo de preparar coisas rápidas e simples. Além de preservar a qualidade do que vai para o prato, cozinhar nos coloca em um estado de tranquilidade semelhante ao alcançado com meditação. Isso já está provado.
Você come batata frita?
Claro que sim. Adoro batata frita e não há nenhum problema nisso. A gente não deveria ter uma relação neutra com a comida. Comer é um dos grandes prazeres da vida!
Fonte: Abril